sexta-feira, 23 de outubro de 2009

MÚSICA

A música é a arte cuja trajetória durante o barroco no Brasil é das menos conhecidas e das que deixou menos relíquias. Da produção musical nativa só temos monumentos significativos a partir do final do século XVIII, ou seja, quando o principal do barroco já havia passado e estávamos já em ambiente rococó. Não que não tivesse havido vida musical na colônia nos séculos anteriores; houve, e importante, embora não possa ser comparada à de outros centros coloniais americanos como o Peru e o México, ou à da própria Metrópole portuguesa - apenas as partituras infelizmente se perderam, mas testemunhos literários não deixam dúvida sobre a intensa atividade musical brasileira durante todo o barroco, especialmente no Nordeste. [21]

A Escola Mineira de música, o mais célebre grupo de compositores do Brasil colonial e o que o grande público conhece mais já não é, como se tem divulgado erroneamente chamando-a de "música do barroco colonial", uma escola barroca. Apesar de se realizar em um cenário todo barroco, estilisticamente é pré-clássica, e em muitos momentos decididamente classicista, afim das escolas de Boccherini e Haydn. Porém é inegável uma herança barroca mais ou menos velada em sua sonoridade e técnicas, ainda empregando o baixo contínuo, e na sua atmosfera às vezes quase naïf que espelha idêntico caráter da pintura e escultura sacra do período. [21]

[editar]Música profana

No campo profano há registros de encenações de óperas italianas - uma voga no século XVIII - em teatros da Bahia (1729, 1760), Rio (1767), São Paulo (1770) e se iam organizando algumas irmandades musicais e orquestras, muitas formadas por mulatos. No final do século XVIII havia mais músicos ativos na colônia do que em Portugal, o que diz da intensidade da prática no Brasil desenvolvida. Destacou-se nesta fase também o português Antônio Teixeira, que musicou as sátiras do Judeu, Antônio José da Silva, de grande difusão e sucesso embora escritas em Portugal. [21]

A primeira partitura vocal profana escrita no Brasil em português que perdurou foi a encantadora Cantata Acadêmica Heroe, egregio, douto peregrino, na verdade apenas um parrecitativo + ária de um compositor anônimo, que em 1759 saudava em música perfeitamente rococó o dignitário português José Mascarenhas Pacheco Pereira de Mello e deplorava as dificuldades por que ele passara nesta terra. Sua autoria por vezes é atribuída a Caetano Melo de Jesus, mestre de capela na Sé de Salvador e autor também de uma Escola de Canto de Órgão ("canto de órgão" era entendido como canto polifônico), em quatro volumes, que é o mais antigo e mais importante tratado de teoria musical escrito em língua portuguesa de sua época, competindo com os de célebres musicólogos europeus. [22][21] A Cantata merece a transcrição de um trecho do seu texto por ser também um belo exemplo da retórica típica da época:

(...)
"E bem que quis a mísera fortuna,
que vos fosse molesta e que importuna
a hospedagem, Senhor, desta Bahia.
"Sabem os céus e testemunha sejam,
que dela os naturais só vos desejam
faustos anos de vida e saúde,
de próspera alegria, pela afável virtude
de vossa generosa urbanidade,
com que a todos honrais, desta cidade!
(...)
"Oh! Quem me dera a voz, me dera a lira
de Anfião e de Orfeu, que arrebatava os montes
e fundava cidades, pois com elas erigira
um templo que servisse por memória
e eterno monumento à vossa glória!
(...)
"Oh! Se também tivera o canto grave
da filomela doce e cisne suave,
vosso louvor, sem pausa, cantaria,
com cláusula melhor, mais harmonia."[23]

[editar]Música sacra

Como grande parte da prática e do ensino era conduzida pelos religiosos, no terreno da música erudita o que mais se produziu foi no gênero sacro. Surgindo uma riqueza de missas, motetos, impropérios, antífonas, ladainhas e salmos, seja a cappella, seja para solistas com coro e orquestra. É bem conhecida a participação de índios numa vida musical intensa e de alta qualidade técnica, em algumas reduções do sul do país, mas este foi um fenômeno isolado. Nos tempos de colônia as etnias musicalmente importantes foram o branco colonizador e o negro escravo. Há inúmeros relatos sobre as orquestras de negros e mulatos tocando com perfeição peças eruditas européias e locais, e boa parte dos maiores compositores do período são igualmente descendentes de escravos, embora traços da cultura original de sua raça não sejam detectados em sua produção, toda orientada para modelos europeus.

Interior do Mosteiro de São Bento, Rio, com o grande órgão barroco sobre o coro
Missa com música na Igreja de Santo Antônio, do Recife

Em São Luís, desde 1629 é assinalada a presença de Manuel da Motta Botelho como mestre de capela. O frei Mauro das Chagas trabalhou um pouco antes em Salvador, e depois dele vieram José de Jesus Maria São Paio, frei Félix, Manuel de Jesus Maria, Eusébio de Matos e diversos outros, sobretudo João de Lima, o primeiro teórico musical do Nordeste, polifonista, multi-instrumentista e mestre de capela da Sé de Salvador entre 1680 e 1690, e depois assumindo a de Olinda. Uma das figuras principais do auge musical de Salvador foi o freiAgostinho de Santa Mônica (1633-1713), de grande fama quando viveu, e autor de mais de 40missas, algumas em estilo policoral, e outras composições. Caetano de Melo Jesus, já referido antes, é outro grande personagem na música da capital baiana. [22]

Os outros centros principais da época, Recife, Belém e São Paulo, só puderam manter uma atividade consistente a partir do século XVIII, quando Salvador já era a capital da música no Brasil, e sua qualidade então chegou a um nível que interessou até mesmo musicólogos da Metrópole, sendo diversos autores citados no Dicionário de músicos portugueses de José Mazza, entre eles Caetano de Melo Jesus, Eusébio de Matos, José Costinha, Luís de Jesus,José da Cruz, Manoel da Cunha, Inácio Ribeiro Noia e Luís Álvares Pinto. [22][21]

Apesar do grande número de músicos atuantes em todo o Nordeste e centro do país durante o barroco, praticamente tudo de sua produção desapareceu. De Luís Álvares Pinto, mestre de capela em Recife, fundador de uma Sociedade de Santa Cecília e autor de uma Arte de solfejare de um Muzico e Moderno Systema para Solfejar sem Confuzão, restam apenas pouquíssimas composições, um notavelmente melódico e fluente Te Deum (as partes instrumentais intermédias se perderam e nas edições modernas foram reconstruídas), umaSalve Regina e os exemplos que deixou em sua Arte de solfejar. A maior parte das partituras remanescentes da música colonial brasileira data da segunda metade do século XVIII. André da Silva Gomes, prolífico compositor, autor de uma Arte explicada do contraponto e mestre de capela da Sé de São Paulo, é um dos autores de quem conhecemos mais obras. Outro de quem conhecemos um acervo apreciável é Damião Barbosa Araújo, baiano, mas a estética de ambos já esboça um classicismo. [21]

A produção do integrantes da Escola de Minas é bem mais documentada, mas não pode de fato ser classificada como barroca. Ou é de um rococó que já incorpora muitos traços neoclássicos, ou já é inteiramente classicista. Dentre os que preservam um pouco mais nitidamente soluções formais, técnicas e sonoridades do rococó, está Lobo de Mesquita, possivelmente o maior de todos os mineiros e a quem se atribui a autoria de cerca de trezentas obras, de que sobrevivem quarenta. São bem conhecidas a bela e pungente Antífona de Nossa Senhora (1787), o Tractus para o Sábado Santo (1783) e a Missa em si bemol (1783) e diversas outras. Também importantes neste grupo são Francisco Gomes da Rocha, autor de duzentas peças entre elas as estimada Novena de Nossa Senhora do Pilar, Inácio Parreira Neves e Manoel Dias de Oliveira. [21]

Este rico acervo de música colonial, até há pouco mal conhecido e menosprezado, longamente esquecido em arquivos paroquiais, tem recebido atenção de musicólogos e intérpretes desde a atuação precursora de Curt Lange em meados do século XX, e hoje é presença relativamente assídua em concertos no Brasil e no exterior, já possuindo boa discografia por grupos de música de reconstrução histórica. As pesquisas recentes continuam a revelar mais obras dadas como perdidas, enriquecendo nosso conhecimento sobre um campo onde ainda há muito por resgatar. [21]

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